Foi um anúncio audaz. Mais pelo contexto, do que pela própria finalidade. Esta quinta-feira, o marechal Khalifa Haftar ordenou as suas tropas para que rumassem a Tripoli, a capital líbia que alberga o frágil governo apoiado pelas Nações Unidas – e quando lá se encontrava o próprio líder da instituição, António Guterres.
Ninguém estava à espera. Mesmo sabendo que as forças de Haftar controlam o leste e, mais recentemente, o sul do país, a visita de Guterres serviu de preparação para uma conferência de paz que tem como meta a organização de umas muito aguardadas eleições. E mesmo tendo em conta o barril de pólvora em que se tornou a Líbia desde o início da guerra civil que “destronou” Muammar Kadhafi. Agora, o receio é precisamente esse: um novo, violento conflito doméstico que acentue ainda a já complexa miríade de facções rebeldes que operam no território.
Com o cerco a Tripoli iminente, Guterres não recuou e avançou para Bengazi, onde reuniu com Haftar. Mas o encontro não terá deixado garantias: o secretário-geral da ONU abandonou o país “profundamente preocupado”, pedindo que fosse evitada uma “confrontação sangrenta”.
Entretanto, as forças leais ao governo de Tripoli capturaram dezenas de combatentes ao serviço do marechal. A caminho da capital, porém, os homens de Haftar foram tomando controlo de várias localidades.
Os receios intensificam-se agora mas não são propriamente inéditos: nos últimos meses, foram sendo despontados pelas investidas no sul da Líbia. Esta nova investida pode assim minar os planos de Guterres e ensombrar ainda mais os esforços da ONU no país. Desde a queda de Kadhafi, em 2011, que vários planos para uma unificação nacional falharam. E as grandes reservas de petróleo à mercê de toda uma variedade de grupos armados e terroristas, incluindo o autoproclamado Estado Islâmico.
Aquilo que esta tensão nos recorda é a complexidade das transições sistémicas no Médio Oriente. No caso da Líbia, essa transição vestiu a pele de uma revolução sangrenta e não ficou, como vemos pelos acontecimentos de hoje, consolidada. E os tumultos líbios têm esse potencial de “spill-over” a nível regional. Mais concretamente, por questões recentes, o caso da Argélia, onde a saída de Bouteflika marca apenas um início de um capítulo ainda incógnito. E se os ventos vizinhos se intensificarem, a tempestade que daí virá é uma que conhecemos bem.